O PREÇO DE SER “GRANDE“

Mauro Heineck

Quando me proponho a falar de um assunto tento fugir do lugar comum, tentando fazer as pessoas verem as coisas por outro angulo, diferente da versão pré concebida. Pretendo com esse artigo mostrar as dificuldades dos grandes criadores em conviverem com os interesses da maioria dentro de um clube.

De uns tempos pra cá, tem se falado bastante sobre a função dos clubes, de trabalharem em favor de tornar nosso meio mais divulgado, fazendo exposições abertas ao publico, trazendo dessa forma novos associados ao nosso hobby e fazendo nossa atividade ser mais reconhecida. Visão esta com a qual concordo plenamente. Devido a dificuldades de se conseguir espaços e ao custo desses, varios clubes tem feito dois eventos, o julgamento e uma exposição de vendas e divulgação.

Por outro lado, já é classica a critica a clubes fechados, que possuem poucos ou apenas um criador, ou que só fazem julgamento e não fazem exposições abertas ao publico. Entre uma visão de clube e outra, existe um oceano. Normalmente clubes fechados tem por objetivo classificarem seus passaros pra eventos futuros. Objetivam menos a parte social e mais resultados. Os clubes normais objetivam muito mais a parte social, e quando o ambiente é favoravel, conseguem tambem bons resultados. Como o social é mais importante nesses clubes “abertos”, socializar os resultados tambem é favoravel ao equilibrio das relações.

Venho com este, mostrar uma nova visão, baseada na minha experiencia como criador, que já participou alguns clubes. Varias fases se passam dentro da dinamica de um clube “aberto” quando esse passa a ter como associado um criador dito “grande” .

FASE 1 NAMORO

Os associados ficam apreensivos com a possibilidade de conhecerem mais de perto um grande nome do seu hobby. Querendo admitir ou não, existe um certo receio entre o/os associados que obtem bons resultados devido a concorrecia que esta chegando.

FASE 2 NOIVADO

A primeira exposição, com a presença de passaros de ótima qualidade, até então pouco vistos por ali. O ” grande ” ganha quase todas as cores que participa mas goza do respeito dos outros criadores. Todos visam tornar o clube mais forte. Existe um desconforto velado por parte de alguns perdedores.

FASE 3 LUA DE MEL

O clube participa de um campeonato estadual, copa das federações ou brasileiro e se destaca de uma forma até antes não alcançada. Todos ficam contentes por se sentirem parte de algo grande, pois o resultado aparece.

FASE 4 CASAMENTO

Começa a fase de desgaste da relação. Na segunda ou terceira exposição, sócios menores questionam o beneficio de ter socio “grande”. Ele não participa do clube como um sócio normal, vai pouco aos churrascos e reuniões, pois tem muito canario pra cuidar. Sua dedicação é tanta que o pouco tempo que lhe sobra é destinado ao convivio familiar. Raramente visita os outros associados. Também tem aquela turminha que diz que só carrega gaiola pro “grande”. A coisa piora sobremaneira se o “grande ” for juiz. Ele assumiu compromissos e aceitou convites para julgamentos nos outros clubes naquelas 3 primeiras semanas de junho, onde 95% dos campeonatos são realizados, incluindo o proprio. Não tem tempo pra participar dos processos de montagem, cuidar da exposição e desmontagem da forma que a maioria tem, pois tem carga dobrada. Na hora de sair para campeonatos , é sempre aquele que “atrapalha”, pois tem maior numero de transportes e canarios a venda pra levar junto. Torna-se um estorvo. Os titulos conquistados já não são mais tão importantes. Agora todos já tem uma opinião de como o “grande” deveria agir e ser, sem saber de todos os encargos que o acompanham.

FASE 5 CRISE

Toma conta do clube a fofoca. Todos tem razões pra não gostarem da situação. Tem os maus perdedores, os que se sentem prejudicados por trabalharem enquanto o “juiz passeia”, etc, etc, etc. . Pra terminar, começam a querer mandar na vida do “grande” dizendo que ele tem que ser um sócio comum, quando na verdade não o é nem que quizesse.

Aumentam as tenssões e as reuniões deixam de ser amistosas. A vontade da maioria prevalesse e a votação é sempre contra os interesses do grande, o “malvado que só usufrui do clube”. O elo foi rompido. O “grande” começa a anilhar parte de suas cores por outro clube mas mantem o clube de origem com alguns canarios na esperança de amenizar as coisas.

As vezes, pra piorar a situção, aparece um conhecido personagem pra potencializar os conflitos. Todo clube tem ou já teve, ou terá alguem com dinheiro e sucesso profissional, que começa a querer ser o dono do clube. Devido ao sucesso profissional, fala com segurança sobre tudo, inclusive sobre o que não sabe, incluindo-se canarios e como deve ser o “seu clube”. Começa a manipular as pessoas pra fazer sua vontade prevalecer, isso inclui inclusive doações e benfeitorias, de modo a calar a maioria e se mostrar necessario, quando não indispensável. Já ele ve que o “grande” é competente e ganha com facilidade quase todas as cores que cria, impedindo que sócios menos privilegiados em conhecimento técnico de competirem com chances. Também veem que o proprio dinheiro não compra campeos prontos e que seu grande trunfo, o dinheiro, não o torna um vencedor diante de um competente. Digo que pessoas assim são muito mais desagregadoras do que qualquer sócio dito ” grande “. A “lei do dinheiro” simplesmente divide um clube, pois espanta socios.

O presidente nesse caso tem que ser um agregador. Tem que conversar com todos e amenizar conflitos. Só boa vontade não adianta. Se o presidente se deixar dominar pela fofoca, o clube diminui, em socios e resultados.

FASE 6 SEPARAÇÃO

O desgaste aumenta sobremaneira, pois o clube começa a achar formas de se “livrar do problema”, atraves de mudanças de estatutos, boicotes, clima ruim, inscrições caras, aneis caros, outras taxas, etc. Agora, o que ajudava, atrapalha. Se o grande expoe impede os menores de classificar e pontuar e, se expoe passaros por outro clube, é traidor e esta tirando pontos do clube. Não tem saida. O ” grande se enche detanta mediocridade e procura um clube com pouquissimos criadores ou nenhum, ou funda o proprio clube.

Voce já pensou sobre o assunto sobre esse angulo que lhe mostrei ? Consegue se colocar também no lugar do “grande” ? Tem culpa ele de ser competente ? Tem culpa ele de amar tantos seus canarios a ponto de tornar seu hobby tão grande ? Tem culpa de ter conseguido evoluir seus conhecimentos e ter se tornado um juiz ? Qual o lugar que voce acha que resta pra ele ? Pare um pouco e pense. O que voce faria no seu lugar ? Deixaria que outras pessoas mandassem na sua vida ?

Honestamente, acho que não tem outra saida. Todo criador competente e grande toma um grande espaço no clube e sempre vai ter gente incomodada por isso, e sempre serão a maioria. Não há como querer que ele seja igual a maioria ou que se comporte como.

Tudo numa criação grande é grande. Desafios, trabalho, inscrições, estrutura, assedio, etc. Demanda-nos muito tempo de nossas vidas e pensamentos. Somos realmente apaixonados pelo que fazemos e o tamanho e os resultados mostram isso .

Me perdoem os bem intencionados, que pra nossa sorte são muitos, mas me lembro uma frese de Nelson Rodrigues, dramaturgo brasileiro conhecido por revelar de forma nua e crua grandes verdades sobre os homens: ” O brasileiro tolera tudo, qualquer coisa, menos o sucesso alheio“.

Pensem sobre tudo isso que falei. No pior dos casos, mesmo que não concorde, voce soube que “nem tudo são flores” na vida de um bom criador.